sexta-feira, 30 de abril de 2010

O Ritornelo

Há seis anos, comecei a lançar mensalmente um fanzine de poesias intitulado FA-DA-DO, que tinha em conjunto um blog homônimo. O fanzine aconteceu com periodicidade durante um ano e o blog existe até hoje (www.fa-da-do.blogspot.com), apesar de algumas pausas e mudanças ocorridas pelo caminho. Mas a partir de certo momento, comecei a me questionar se o nome FA-DA-DO ainda era condizente com a minha poética. Não era.
Fadado quer dizer predestinado; mas o nome era separado por hífens, o que permitia ver um jogo de dados, o destino ou mesmo uma fada voando. Contudo, essas imagens mentais derivadas da palavra (e a imagem, especialmente a fotográfica, passou a ter um lugar central nesse projeto) não eram exatamente o que eu queria evidenciar na minha graduação artística.

Depois de muito procurar, encontrei um termo no meio de um texto que muito me agradou, tanto pelo seu significado (que vi muito além do autor) quanto pela sua sonoridade, que lembra um animal exótico: O Ritornelo. A poesia, música e filosofia do retorno.

Essa estrofe que repetimos nos faz pensar que a música é nossa e que ela é eterna.

www.oritornelo.blogspot.com

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Quem estava ontem aqui
eu evoquei.

Presenças submersas
presentes ao inverso
neste pátio
loucos já moraram
morderam-se brincando seriamente
como hoje buscamos
uma contestação.

Os grilos permaneceram
andorinhas e gaivotas voando
à Praia Vermelha.
A idéia de prever o futuro
só nos é confortável
quando ele nos agrada

sábado, 10 de abril de 2010


tantos textos empilhadados

pelas mesas, prateleiras e minha mente

um escaninho

ovos que em breve eclodirão

saindo não sei qual bicho da retorta


o lapis

segunda-feira, 5 de abril de 2010

vazio de cama
de quarto e sala
uma ausência que me pergunto
se ando sentindo
mais do que a presença
em si
caio em mim
vejo-me, de fato
mas nos vejo
que me pergunto se posso
como posso
assim me apegar

na minha carência
você é a carícia
que tanto me faz
tranquilizar

domingo, 4 de abril de 2010

de volta a terra
pupilas dilatadas
olhos arreganhados

um certo desespero,
nada mudou,
nem mudará
nesse certo ponto de encontro
da mediocridade com a ignorância
já vou voltar
para outros

cantos de ruas
cheias de despachos
com boas cachaças e petiscos
busca de soluções
olhos fechados
e nenhum tato
nenhum trisco
de esforço

nem labrador
pra guiar esse bando de cegos
cheio de olhos

terça-feira, 30 de março de 2010

o falso ouroboros


a boca e a cauda da serpente
já tem muito tempo
que aqui se encontraram

e estamos sufocados
talvez achando que era pra ser
a boa eternidade
mas é cobra comendo cobra

ilha do terror
que tudo falta
porque tudo negou

sexta-feira, 19 de março de 2010

um dia me disseram
que eu não podia ser
tudo
e eu respondi
ao mesmo tempo
eu posso
tudo
ser
pedra esculpida
leva muitos golpes de cinzel

sexta-feira, 12 de março de 2010

no jardim de Gabriella













Fotos em Pin Hole na Escola de Artes Visuais do Parque Lage- Rio de Janeiro.


segunda-feira, 1 de março de 2010

Nas manhãs de cada dia, ela se levantava para o café. Leite.
Misturava na água o pó até dissolver, paciência.
O cheiro da manhã de sono, antes do banho, misturavam-se ao café e leite.
Ela fazia tudo para mim e eu nem sei se eu faço tudo para mim, ou se realmente ela fazia tudo para mim... Minha mãe ainda é a mesma e eu agora não sou só a filha.
O passado parece um sonho que nunca consigo lembrar direito. Mas é fácil de sentir o que é.
Será suficiente apenas sentir?
Tantas obrigações confundem as mulas paradas na ladeira.
Cavalo é cavalo e tem até que penteia seus cabelos.
Vai saber da natureza dos homens...

domingo, 28 de fevereiro de 2010

é de manhã, olho pras paredes
penso logo
o dia só tem vinte e quatro horas
algumas oito de rede
e o que sobra
talvez nem dê de fazer o que eu queria

ela ali passou alguns anos para desgastar
e eu agora uns segundos para aprender

urgência sábia

o sabiá das laranjeiras canta na janela
você toca nossa música
e eu grito minha clemência

fogo

sunshine

sun
day

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

neste dia nublado
só tuas pétalas clareiam este quarto
este saco cheio
da areia encarnada


incendeia a plantação
dos montes de onde vieste
humana a mão que te semeou
uma, somente
de alguém calado, pensativo
de pele queimada por quem te rege

para ti não existe nuvem
pois tu estás abaixo de todo céu
cantarolando

gira solitário
porque Sóis estamos
sobre a terra
girando

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

a folia da realeza
Marco Antônio, Cesar, Cleópatra
as mais industrializadas princesas
vassalos
alados
fadas e pássaros
na terra, ciscando o chão
brilhos, paetês, de todas as cores
penas de faisão
marinheiros e marinheiras
uma enorme embarcação
sólida
velhas bruxas entusiasmando as crianças
odaliscas e marcaradas salvas
pelo justiceiro Zorro
pierrôs e colombinas
abelhas e joaninhas
voando
nas cores de todos os adereços
que resumem em uma semana
o ano
a vida
de cada um embaixo
ou por cima
da fantasia

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

fauvismo

raios vem lá do Sol para cá
atravessam a atmosfera
as folhas das árvores
caem em nós
pulando o carnaval

euforia
feras
alegria ou
desespero

sumos de sorrisos
contaminando o aterro
a praia
a baía
o movimento dos corpos
fantasiados
do que fomos
e do que seremos

adiante!
aterro do flamengo, carnaval 2010. foto revelada e escaneada em um repartição pública qualquer.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

procuro uma casa
a minha está muito longe
e por isso
talvez nem seja mais
minha

espero que consiga
limpar o que há
espero que eu siga
abrindo suas janelas coloridas
mas que nada morra de calor

nenhuma planta
chega de horror

uma casa com jardim
nem que seja um cantinho
lá está, me esperando
nascendo

uma casa
e meu caminho

sábado, 13 de fevereiro de 2010

pra que achar
que em breve
será diferente do agora

muda-se a hora
mas o mundo segue
e se um dia as águas deixarem de correr
é porque já é o colapso

lapsos de memória

a borboleta azul
circunda o mesmo lugar na cachoeira
desde sua saída do casulo

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

se me vejo submersa numa realidade tão intensa ao ponto de parecer sufocante tomo cuidado para não me afogar

domingo, 7 de fevereiro de 2010

acordo cozinhando
o Sol impiedoso entra sorridente
pregando a mesma peça
de sempre

há milhões de anos

e eu que
por aqui
estou só
de passagem

desço a Siqueira Campos
pra mergulhar
no Oceano que tudo une
e nos faz um grão de pó

Sol, sal, suor

várias mãos me entregam um clamor
e uma delas
tremendo o Parkinson
me aponta a minha disfunção motora
e minha fragilidade

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

parece idiota
envelhecemos todos os dias
e num belo instante
nos vemos feios

porque o tempo passou

flagrante

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

nascemos todos
sem memória

aprendemos todos
diferentemente

por nossos tempos
e espaços

enquanto a natureza permanece
eu passo

parte dela

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

zumbido
intermitente
ruas acesas 24h
por dias acesos
por isso tantos zumbis
sôfregos repousos
passeando por aí
cabeças de fósforos
divertindo-se
antes de morrerem outra vez
para que estou aqui
as buzinas parecem não cansar
quantos doentes podem haver
e será que eu, calmo lobo
posso não estar são
e salvo, aqui
a selva implode seu ruído
estamos cercados de iniciativas
e o meu ainda está
dentro de cada colméia

vejo papagaios nas ruas
dos mais diversos tipos e cores
um dia, quiçá...
devo retribuir
todos os presentes que me ofertaste


agora estás deitada no sofá
ou nina outra criança


mas o que importa
é que seu amor é etér

pétalas que se embalam ao redor do cosmo
teu colo
não cede mais leite mas
as respostas

grata
pela tua medida

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

bambu

flexível
potência
não perderei

tão distante quanto o Japão
medieval

alongo-me
e pego a fruta de ouro
que caiu no chão

e brota na minha terra
no rio
pepitas e pedregulhos

tremo em folhas
eu
o bambu

a virada

junco
o som desce pelas pedras
poucos grãos faltam
para acabar o ano

toda água desce
permanecendo

anos

me perco
para me achar
em breve
no ano

novo

ano